Quem somos nós?

Somos um grupo de alunas do Curso de Especialização Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça (GPPGR), na modalidade à distância, promovido pela Universidade Federal do Espírito Santo em parceria com o MEC. Criamos esse blog com o objetivo de fomentar as discussões no campo das Políticas de Ações Afirmativas e assim contribuir no processo de elaboração, aplicação, monitoramento e avaliação de projetos e ações que visam a transversalidade e a intersetorialidade de gênero e raça/etnia nas Políticas Públicas. Nosso tema é Igualdade de gênero, raça/etnia na educação formal com o sub tema:- Família, hierarquias e a interface público/privado. Integrantes do grupo: Ana Paula Ferreira, Marcia Roziane Zuma e Nilza Nimer Gonçalves.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Cotas Para Pobres no Ensino Superior

Adunb- Cadernos de Opinião e Debate: Dezembro, 2000

O modelo liberal, tanto em sua versão "clássica", como em sua versão "neo", assume que o problema da injustiça deriva da desigualdade de oportunidades. Assim, em sua lógica, a questão não é o mercado em si, mas o fato de algumas pessoas não possuírem a possibilidade de nele competir, ou seja, de já "largarem" em extrema desvantagem na luta pela vida, contra os outros concorrentes.
Nessa ótica darwinista, extremas diferenças de riqueza são inevitáveis, e justas, desde que todos comecem da mesma linha de partida. Que vença o melhor!
Já que o mercado é livre, o que vai tornar a competição boa e a sociedade justa são a inteligência, a agressividade, a sorte e o preparo de cada indivíduo.
As três primeiras dessas características dependem, em parte, da herança genética e em parte do meio em que as pessoas vivem e são criadas. A última confunde-se com a própria educação, formal ou informal.
Assim, não fica muito difícil, para os que partem dessa lógica, argumentar que "o problema brasileiro é educacional". Não de reforma agrária, de dívida pública ou de formas históricas e contemporâneas de escravidão, por exemplo.
Não há dúvida de que a universalização de uma boa escola pública – onde as pessoas aprendam a ler, escrever, pensar e onde conheçam os seus direitos e deveres de cidadãos e cidadãs – representa um passo essencial, entre outros, para que a sociedade se torne mais justa. Para que indivíduos conscientes assumam o papel de sujeitos da história e mudem o mundo para melhor. Daí a notável relevância de iniciativas como a da bolsa-escola, por exemplo.
Tornam-se, portanto, indispensáveis "quotas de 100% no ensino básico" para a toda a população, ou seja, um sistema de "não quotas" para este nível escolar, pois quotas são, por definição, parciais.
É, entretanto, um grave equívoco supor que a correção do mercado imperfeito, por meio de mecanismos como o de quotas na educação superior, trará a justiça social.
No Brasil, além de quotas étnicas em universidades, há propostas para se garantir vagas para pessoas pobres, sendo sua carência aferida pelo fato de terem cursado escolas públicas.
O raciocínio que as embasa, além da crença de que tudo o que vem dos Estados Unidos é, por definição, melhor, é o de que, como essas pessoas são egressas de escolas públicas, em geral, de baixo padrão, não passariam nos exames de seleção para as universidades públicas, de melhor qualidade. Seriam, portanto, obrigadas a pagar as instituições particulares de ensino superior, caracterizadas, via de regra, por um nível de ensino muito baixo.
Esse ponto de vista não parte do princípio de que o que deve melhorar é a qualidade da escola pública, mas, ao contrário, de que o que se deve fazer é relaxar os critérios acadêmicos de admissão nas boas universidades do país, quase todas públicas, para, assim, igualar as oportunidades.
Assume, portanto, a idéia de que os pobres são pobres, pois as escolas em que são formados são irrecuperáveis. Substitui o critério do mérito, na seleção para o ingresso na universidade, pelo de carência econômica. Tal substituição representa:
1. Um insulto à capacidade das pessoas pobres que vêem questionada sua capacidade de adquirir competência, se lhe forem concedidas condições para tanto: não teriam inteligência e agressividade, seja por supostas razões raciais, seja por razões culturais.
2. Uma justificativa para não se construir uma escola pública de boa qualidade e não se alocar os recursos financeiros para esse fim. Afinal de contas, uma boa escola pública significa um grave perigo para o sistema político corrente.
3. Um golpe desmoralizador na universidade pública e de qualidade, que perde, assim, este seu último adjetivo.
4. Vantagens financeiras injustificadas para as instituições particulares de ensino superior. A defesa de um sistema de quotas nas universidades públicas é de interesse, sobretudo, das universidades particulares, que passam a contar com um novo e enorme contigente de alunos. Muitas já estão com um problema de excesso de vagas.
5. Uma incompreensão do objetivo da universidade para a nação, ser histórico e, não uma instituição que se esgota nas carreiras dos indivíduos. A função social da universidade não é a de redistribuir, diretamente, renda, mas a de transmitir e produzir cultura, ciência e tecnologia para a sociedade. A formação profissional é, obviamente, um importantíssimo aspecto no seu desempenho, mas não o único.
6. Uma ameaça às possibilidades de competição econômica do Brasil e até à sua viabilidade, como nação, no mundo globalizado em que a ciência e a tecnologia são produzidas, em larga medida, nas universidades, a partir do critério do mérito (não da carência econômica de seus integrantes).
7. A percepção da universidade como uma espécie de grupo escolar gigante que deve ser cursada por todos. Essa idéia vem, de novo, dos Estados Unidos, e é, em larga medida, uma decorrência da atual fragilidade do ensino básico naquele país, onde a educação superior exerce uma manifesta função compensatória.
A idéia de que a educação superior deva ser universal, para que a felicidade se espalhe, esbarra em exemplos como o do Japão que, com uma população total próxima à brasileira, tem apenas cerca de 3 milhões de estudantes universitários, isto é, um pouco mais que o número brasileiro atual de alunos;
8. A implantação de uma medida inócua ou inviável. Inócua, pois quotas altíssimas, como as pretendidas em alguns projetos de lei, chegando a 50%, seriam ineficazes, uma vez que uma percentagem ainda maior do que esta de estudantes carentes está, no presente, matriculada em universidades públicas. Recente pesquisa realizada pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), por exemplo, concluiu que 49% do seus alunos sobrevivem com uma renda na faixa de 70 a/> 140 reais por mês e que 25% têm de pagar livros, condução, alimentação e outras despesas com apenas 70 reais mensais.
Inviável, pois existe uma diferença significativa de renda entre os alunos matriculados em diferentes cursos. Enquanto os de Medicina, por exemplo, são em sua maioria originários das camadas mais altas da classe média, os de Geografia vêm de outros setores mais carentes, mas também da classe média.
Dificilmente, alunos que necessitam trabalhar poderiam dedicar-se a três turnos diários. Quotas por curso seriam, dessa forma, inviáveis, sem um sistema de bolsas de estudo que cobrisse o sustento do estudante, ou de outras pessoas que o estudante sustenta, além do oneroso material didático que é exigido nesses cursos. Bolsas de estudos para estudantes carentes são desejáveis, desde que estes, é claro, tenham mérito para tanto, condição comprometida pelo sistema de quotas.
9. A  venda de uma ilusão. Ora, um dos argumentos em favor das quotas para alunos carentes é o de, como a renda dos que dispõem de diploma universitário é maior que a daqueles que não dispõem, formar-se na universidade é uma forma de se melhorar na vida. Essa é uma relação acacianamente óbvia, considerada a comparação entre as rendas pessoais de "doutores" e "não doutores".
Embora todos desejemos um diploma de curso superior para nossos filhos, a universalização desse sonho é impossível, do ponto de vista macrossociológico.
Haveria, de fato, um aumento na felicidade geral se a educação fosse a solução para todos os problemas, como quiseram, por muito tempo, o Banco Mundial e o liberalismo, para o qual toda oferta cria sua própria demanda. Assim, com o progressivo aumento do número de diplomados, a sabedoria do mercado criaria o correspondente número de empregos.
Entretanto, há muitos outros fatores que vão afetar o emprego e a remuneração dos diplomados no ensino superior. Segundo estudo do professor Márcio Pochmann, da Unicamp, por exemplo, enquanto nos Estados Unidos e na Inglaterra há um crescimento no número de vagas de alta qualidade no setor serviços, o crescimento dessas vagas no Brasil, também no setor serviços, ocorre em atividades como as de segurança, limpeza, comércio, construção civil e profissões como as de cozinheiro e garçom. Pochmann descobriu que as áreas técnicas são aquelas que mais desempregaram, com queda de empregos para técnicos de eletricidade, eletrônica, telecomunicações, química e mecânica, inclusive para o pessoal de nível superior.
Há um saldo positivo de 1989 a 1996, segundo esse mesmo estudo, de 6,9 milhões de postos de trabalho, mais concentrados nas ocupações de pior qualificação do setor serviços, como emprego doméstico, limpeza e vigilância. Por outro lado, o estudo demonstra que há um excesso de pessoal qualificado para as vagas existentes. De acordo com o professor Cláudio Salm, da UFRJ, o que temos agora são "babás mais educadas".
Embora as pessoas portadoras de diploma de nível superior tendam a não ficar desempregadas, como demonstram essas pesquisas, muitas vão ocupar posições abaixo da qualificação formal que possuem. Engrossam os quadros de telefonistas, motoristas de táxi, soldados de polícia e babás, com curso superior, que começam a se espalhar pelo Brasil. Por outro lado, expulsam desses nichos de mercado pessoas menos preparadas formalmente, embora, talvez, perfeitamente aptas a desempenhar a função exigida pelo emprego.
Há, dessa forma, uma curva de rendimentos decrescentes na educação superior que implica um elevado custo social e um cruel engano dos que se sacrificam para obter um diploma universitário, sem conseguir um emprego compatível com sua formação. O crescimento do ensino superior só fará sentido, e só contribuirá para aumentar a renda média da população, no bojo de um projeto nacional, voltado para a redistribuição de renda e para o desenvolvimento econômico amparado em políticas industriais, agrícolas, de ciência e tecnologia, de energia, transporte e outras.
A proposta do sistema de quotas para pobres, no ensino superior brasileiro, é mais um caso de solução mágica para um problema muito difícil. Tem um lado mesquinho, na medida em que procura identificar na classe média os "bodes expiatórios", os algozes responsáveis pela pobreza, quando os verdadeiramente ricos, matriculados tanto nas faculdades públicas como nas privadas, são em número muito reduzido.
É mais um movimento do assalto ao Estado e às instituições vitais à sobrevivência da nação que tem caracterizado a história recente do Brasil.

Um comentário:

  1. sou a favor da cotas sociais pois acho mais distributiva. Gostei muito do blog.
    PArabéns!!!

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